quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Análise da música: "indios" (Renato Russo) e sua intertextualidade com o "fragmento da carta de Pero Vaz de Caminha".

TEXTO: Fragmento da Carta de Caminha.


(...)
      Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a lançaram fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes a água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora. Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera. Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de cobrirem suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas. O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins; e o da cabeleira esforçava-se por não a quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e eles consentiram, quedaram-se e dormiram. (...)
(Pero Vaz de Caminha. In: Maria da Conceição Castro.. Língua e Literatura. vol1. SP:
Saraiva, 1994)

MÚSICA: Índios
Quem me dera
Ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro
Que entreguei a quem
Conseguiu me convencer
Que era prova de amizade
Se alguém levasse embora
Até o que eu não tinha

Quem me dera
Ao menos uma vez
Esquecer que acreditei
Que era por brincadeira
Que se cortava sempre
Um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda

Quem me dera
Ao menos uma vez
Explicar o que ninguém
Consegue entender:
Que o que aconteceu
Ainda está por vir
E o futuro não é mais
Como era antigamente.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Provar que quem tem mais
Do que precisa ter
Quase sempre se convence
Que não tem o bastante
Fala demais
Por não ter nada a dizer.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos
E vimos um mundo doente.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Entender como só Deus
Ao mesmo tempo é três
Esse mesmo Deus
Foi morto por vocês
É só maldade então
Deixar um Deus tão triste.

Eu quis o perigo
E até sangrei sozinho
Entenda!
Assim pude trazer
Você de volta pra mim
Quando descobri
Que é sempre só você
Que me entende
Do início ao fim.

E é só você que tem
A cura do meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Acreditar por um instante
Em tudo que existe
E acreditar
Que o mundo é perfeito
Que todas as pessoas
São felizes...

Quem me dera
Ao menos uma vez
Fazer com que o mundo
Saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz
Ao menos obrigado.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos Índios
Não ser atacado
Por ser inocente.

Eu quis o perigo
E até sangrei sozinho
Entenda!
Assim pude trazer
Você de volta pra mim
Quando descobri
Que é sempre só você
Que me entende
Do início ao fim.

E é só você que tem
A cura pro meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Nos deram espelhos
E vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui.
(Legião Urbana. Disponível em: www.vagalume.com.br. Acesso em 25/11/2010).

                                                 ANALISANDO:
      O trecho da carta de Caminha e a música Índios tratam do mesmo tema: a chegada dos portugueses ao Brasil, o primeiro contato com os índios, a busca por ouro e a conseqüente exploração da nossa terra. Caminha descreve o primeiro encontro entre os índios e o capitão da embarcação portuguesa na postura de colonizador. O autor da música fala deste e de outros fatos relacionados, porém, sob a ótica do colonizado. O escrivão português demonstrou grande interesse em descrever o povo que habitava a terra nova, numa visão bastante interessante, usando parâmetros da civilização européia, nada adequados à observação de povos indígenas. Na música, é apresentada uma visão bem crítica dos fatos, possibilitada pelo indispensável distanciamento histórico.
Na música, a repetição da expressão ‘quem me dera ao menos uma vez’ traduz talvez o desejo do autor de voltar ao passado e mudar a história, tentar compreender os fatos ou até mesmo demonstrar alguma atitude perante eles e não somente assistir a tudo passivamente. O oferecimento de bugigangas, representadas por espelhos na música, seria o prenúncio de que os portugueses levariam nossas riquezas (pau-brasil, açúcar, ouro...) em troca de quase nada ou nada em troca.
Na sexta estrofe, o conceito da Trindade (um Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo em uma só pessoa) nos remete à catequização dos índios. Para eles, este conceito era tão incompreensível quanto o fato de Jesus ser morto pelo branco (vocês), e Deus, que também é Jesus, continuar vivo e adorado pelos brancos.
Na oitava estrofe se acentua o tom irônico, presente ao longo da música, (seria prova de amizade alguém levar até o que eu não tinha?) quando o autor expressa o desejo de acreditar num mundo perfeito, em meio à hipocrisia de um mundo doente e de pessoas ingratas como se nota na nona estrofe.
Na décima estrofe, estaria o autor dizendo que se os índios não fossem tão inocentes e pacíficos não teriam sido atacados e dizimados pelos brancos?

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Repensando a Textualidade, de Maria da Graça Costa Val (FALE/UFMG).


      
No texto “repensando a textualidade” de Maria da Graça Costa Val, podemos perceber que a mesma fundamenta-se em vários autores como: Conte, Isenberg, Schmidt, Beaugrande e Dressler, Halliday e Hasan, Harweg, Koch e Travaglia para compreender o que venha a ser a textualidade, tendo em vista que no âmbito da lingüística textual, a mesma pode ser compreendida como um conjunto de características que fazem com que um texto seja realmente texto, e não apenas uma seqüência de frases, pois é com a lingüística que esse campo tem se fortalecido, ultrapassando os limites da frase.
Para aprimorar esse estudo, foram-se seguindo tendências que distinguiram o desenvolvimento da LT em três momentos tipológicos. A primeira é caracterizada pela analise transfrástica, em especial no que diz respeito à coesão textual, uma vez que quando a frase é tida como unidade máxima de análise, certos fatores não são satisfatoriamente compreendidos. Mudando-se assim o foco da seqüência de enunciados para o todo do texto, seguindo os procedimentos de textualização e de conexão de pressupostos. Já na segunda vertente o texto passa a ser visto como uma unidade lógica de sentido, que no âmbito da coerência textual e da macroestrutura semântica, o mesmo deixa de ser pensado na perspectiva de significados, mas sim em algo estruturado no plano global. Teóricos da área voltaram-se para a construção de gramáticas do texto, muitas delas de inspiração gerativista. Na terceira vertente tipológica se ganha destaque a compreensão de que o texto não encerra nele mesmo, mas se produz na relação desse texto com o contexto em que os falantes se realizam. Alguns princípios foram postulados como constitutivos da textualidade, que definem e criam o comportamento identificável como comunicação textual.
Charolles considera essa discussão entre coesão e coerência ultrapassada. Por isso ele propõe meta-regras de coerência em que procura articular elementos da constituição semântica e formal do texto. Sua primeira meta-regra se chama meta-regra de repetição, e diz que para que um texto seja coerente, é preciso que contenha no seu no seu desenvolvimento, elementos de recorrência escrita, ou seja, tem que haver a reiteração do que foi dito. A segunda meta-regra de Charolles (1978) diz respeito a progressão, que seria o inverso da repetição e continuidade: para que um texto seja totalmente coerente, é preciso que haja em seu desenvolvimento uma contribuição semântica constantemente renovada, ou seja, uma informação nova. Em sua terceira meta-regra, Charolles (1978) se refere a não-contradição, que diz: para um texto ser totalmente coerente, é preciso que no seu desenvolvimento não se introduza nenhum elemento semântico que contradiga um conteúdo posto por um pressuposto ou ocorrência anterior. Essa meta-regra diz respeito a lógica interna do texto. A quarta e ultima meta-regra é a de relação: para que uma seqüência ou um texto sejam coerentes, é preciso que os fatos que denotam no mundo representado estejam diretamente relacionados. Assim essa quarta meta-regra se realiza em termos de uso dos conectivos e articuladores.
“A intencionalidade e a aceitabilidade são definidas como concernentes às atividades, objetivos e expectativas do produtor e do recebedor”. Nesse sentido os autores Beaugrande e Dressler formularam que informatividade não é definida como uma característica do próprio texto, mas avaliada em função do grau de conhecimento dos usuários. Para os autores, informatividade tem a ver com o grau de novidade e previsibilidade: quanto mais previsível, menos informativo será o texto para determinado leitor, pois acrescentará pouco às informações que ele já tinha antes de estudar tal texto. Nessa perspectiva quanto mais interessante e inovador for o texto, mais informativo ele será. “A situacionalidade aparece como um princípio importante para a constituição da textualidade”, deste modo, tal enunciado está longe de se resumir às circunstâncias empíricas em si, ele diz respeito ao modo como os usuários interpretam uma dada situação a partir dos modelos de comunicação social que conhecem.
 O ultimo princípio da textualidade apontado por Beaugrande e Dressler (1981) é a intertextualidade que vem ser a “conversa entre textos”, ou seja, o autor se baseia em outros textos para produzir o seu. A intertextualidade se coloca como condição previa na produção e recepção de determinados textos como os resumos, os parágrafos, as resenhas e etc. Mas, segundo os autores, ela constitui um fator decisivo na produção de qualquer tipo de texto, todo discurso está repleto de ecos e lembranças de outros textos, aos quais responde, refutando-os, completando-os e fundamentando-se neles.
 A partir do momento em que nós interlocutores, passarmos a compreender um determinado artefato como texto, teremos aplicado com êxito, os princípios de textualização e estabelecido uma relação de sentido. Desse modo, podemos dizer que, os fatores de textualidade são mostrados como meios responsáveis por uma boa interpretação e compreensão do texto.